Frederico Peçanha –
2075
Perdi a conta das flexões que fiz e já media meu progresso pela saturação no tecido do chão da minha sala. Minhas sessões de exercício eram consideradas vãs, inúteis, perda de tempo por muita gente, mas eu sempre soube a forma poderosa com que esses exercícios mantém meu foco e meu ânimo.
- Eu não quero saber se
ele tá malhando, rapaz. Autoriza logo essa ligação – disse
Pinkman e detectei com meus óculos
- Senhor peçanha não
deseja ser incomodado durante sua sessão de exercícios, por favor
não insista – disse meu novo assistente.
Por mais que ter uma
estrutura de autoridade com progressão, ter que trocar pessoas de
funções sempre foi um inconveniente. Justamente quando assistentes,
gerentes, assassinos ficam bons em suas devidas funções, acabam
conseguindo mérito para assumir uma posição de autoridade
superior. Mesmo tendo dominado apenas quatro cidades, ainda parece
que meu domínio cresce rápido demais pra eu ter o conforto de
dispor de subordinados bem preparados.
- Ei recruta, não sabe
que tem uma lista de pessoas cujo contato comigo é irrestrito? -
falei por ligação com aquele assistente que nem mesmo tinha um
nome, de tão baixa que era sua posição na hierarquia
- Desculpe, senhor, eu
não sabia!
O rapaz teve todas as
funções vitais aceleradas e rapidamente permitiu a ligação de
Pinkman, que apareceu diante de mim em forma de um holograma
perfeitamente nítido.
- Espero que você não
se incomode com meus exercícios. Ainda faltam 15 minutos, mas posso
conversar enquanto os pratico – falei sem seguir olhando pra sua
imagem
- Não entendo como você
pode ser um empreendedor e inovador, mas, ainda assim, conserva
hábitos arcaicos como esse. Todos os benefícios fisiológicos dessa
atividade podem ser proporcionados artificialmente. Você não faz
mais que perder tempo com esse placebo.
- Vocês cientistas e
suas recomendações e fórmulas. Não sabe que todos lêem seus
livrinhos e fazem o que vocês mandam e mesmo assim nunca chegam onde
estou ou onde estarei no futuro? Com essas recomendações banais de
comportamento, alimentação, implementação tecnologica ou seja o
que for, vocês não fazem mais do que tentar regular como se fossem
padres. Não é sua função ser conselheiro moral, Pinkman. Como
posso te ajudar?
- É sobre o traje. Não
conseguimos obter os dados. Não temos como fazer simulações e
treinamentos especiais com isso. Precisamos da cooperação do seu
irmão, mas ele é muito instável. Precisamos comprar essa
instituição de indulgers. Você pode fazer isso?
- Comprar indulgers? Mais
fácil comprar o resto do mundo e daí usá-lo pra controlar essas
pessoas. Elas são complexas demais pra uma coisa dessas e devo te
lembrar que tivemos outro indulger em treinamento e ele morreu no
traje.
- É verdade, mas
rastreamos o histórico dele. Era um novato e não participava desse
grupo de indulgers abertos à violência. Precisamos selecionar
indulgers como o seu irmão e, quem sabe, usar a instituição pra
controlá-lo. Isso é poder demais e se sair do nosso controle pode
comprometer toda a operação.
- Olha, esse plano não
vai funcionar. Primeiro porque a hierarquia dos Indulgers não
confere a um deles o poder de dar ordens aos outros: todos seguem as
mesmas regras. Segundo que nós nunca selecionamos os dois indulgers
que vieram pro nosso treinamento. O máximo que poderíamos fazer é
colocar nosso centro de treinamento exposto perto desses plasmas na
esperança de que eles decidam vir pro treinamento. De qualquer
maneira, ganhamos na loteria com esses dois. Precisamos é ter algum
controle sobre o que já temos.
- Mas como? Ele não
responde aos treinamentos, ele não vai se conformar!
- Eu sou irmão dele. Sei
de sua história, sei quem ele é. Preciso apenas me atualizar, ver
por onde anda, o que tem feito. Pra controlar um homem que vive por
impulso, basta apenas que você controle a fonte dos impulsos. E você
deve saber que sou bom em descobrir motivações, daí resultando que
evitei vários conflitos seus e da liga. Deixe essa situação comigo
que eu vou controlá-lo e, no processo, assegurar nosso domínio
sobre os commodities do mercado global.
- Commodities? Reveja sua
linguagem, Peçanha! Eu não quero esse dinheiro! Eu quero a liga nas
minha mãos, fazer triunfar a razão e a ciência!
- Não, o que você quer
é recurso pras suas pesquisas e respeito. Nós dois queremos a mesma
coisa, só que a buscamos em fontes diferentes: vitória e poder.
- Você e suas frases de
efeito! Bem, tenho compromissos. Controle Emanuel e deixo você tomar
esses recursos, contanto que entenda que a liga terá acesso
irrestrito a eles.
- Sim, considerando, no
entanto, meu acesso irrestrito ao dinheiro da liga.
- Sim, sim, como quiser!
Pinkman afk...
Acho que ele nunca
percebeu como é estranho falar afk numa época em que os teclados já
se tornaram obsoletos. Ou talvez tenha percebido isso nitidamente,
mas fala apenas pra mostrar que ele pode usar a linguagem que quiser.
Terminei os exercícios e
podia sentir os meus músculos fadigados. Entrei na banheira com agua
fria e abri a comunicação.
- Senhor, a sua
acompanhante de hoje está no salão de espera. - disse o assistente
- Certo. Avise aos
ritualistas que eles vão entrar aqui em duas horas, independente das
circunstâncias, a não ser que eu comande o contrário pessoalmente.
Dê a eles a distração que desejaram, mas certifique-se de que não
virão até mim quimicamente alterados.
- Sim senhor
O rapaz abriu a porta
ainda com os batimentos cardíacos acelerados e deixou-a entrar. Veio
altamente recomendada por se encaixar nas minhas preferências
estéticas. Mas não estava treinada, logo percebi. Porque me veio na
banheira e veio desfilando na minha direção, soltando o cabelo e
fazendo poses. Veio, em termos simples, com a intenção de me
seduzir. Presumivelmente se imaginava tão perfeitamente atraente que
não precisaria de instruções pra seduzir e satisfazer um homem.
Elas chegam cada vez mais ingênuas.
- Vista as luvas e
joelheiras que estão á sua direita – falei antes de beber um copo
de água
Ela sorriu, ainda
pensando que tinha algum poder sobre mim. Somente quando percebeu que
ambos eram cheio de espinhos que entendeu a situação, seu sorriso
logo indo embora.
- Não se preocupe,
qualquer dano que você sofrer aqui será perfeitamente reparado
aqui.
- Olha isso vai fazer o
serviço ficar mais caro – ela falou confiante
- Mais caro, você diz?
Menina você deve ter irritado alguém importante, não é mesmo?
- O que?
- Ajoelhe-se e circule
pela sala engatinhando
- Então você vai pagar
o triplo por isso?
- Sim, se você entender
que o triplo de nada é nada
Ela se levantou e jogou
as lugas no chão. Sangue já escorria pelos seus dedos e se
misturava com meu suor sendo absorvido pelo chão.
- Vai pagar o triplo ou
nada feito!
- Vou pagar a quem,
exatamente?
- Pra mim, quem mais?
- Moça, você é minha
propriedade. Tudo o que você ganha nessa cidade é meu. Se eu
concedo que você receba algum dinheiro, você deve considerar uma
dádiva.
- Olha, eu não sei que
tipo de brincadeira é essa, mas é melhor parar. Mostra o dinheiro
ou eu vou embora.
- Porra você não quis
dar o cú pro Jaime, foi isso? Não é possível que você não
entenda a sua situação!
- Minha situação é que
sou uma profissional autônoma com profissão legalizada. Ja passou a
época em que prostitutas serviam a cafetões!
Não tive escolha a não
ser mostrar a gaveta pra ela. A gaveta das rebeldes, eu a chamava.
Dentro tinha uma caixa com tampa de cristal e todas as unhas de
polegar que já coletei nessa sala. Era um verdadeiro registro do meu
legado com as putas. Como se todas elas, de alguma maneira, fossem a
mesma pessoa, como se eu estivesse nesse relacionamento a há anos
com essa pessoa e tivesse apenas que punir-lhe algumas rebeldias.
- Que porra é essa? Você
tem uma gaveta cheia de unhas?
- Sim. Não é de bom tom
guardar corpos numa sala como essa.
- Você... matou essas
pessoas?
- Pra ser preciso, duas
delas se mataram. Mas eu fui responsável por isso, então é pura
formalidade dizer que não as matei.
- Porque?
- Não entendiam quem
eram minha propriedade. Assim como você. Você tem esse corpinho
natural e pretendo usá-lo com frequência. Vai mesmo me fazer
comprar um robô igual e me livrar do original?
- Essa unha...
Alessandra!
- Ah sim, conhecia ela?
Essa me xingou até o último minuto. Selvagem guardei o cabelo dela,
como sempre faço com as lutadoras.
- Eu... Conhecia ela. Na
verdade nós nos odiávamos, mas ela não merecia isso... Você está
mentindo!
- Se odiavam, é? Então
porque você veio encontrá-la?
- O que? Como você sabe
isso?
- Sabe, as vezes eu tenho
pena de moças como você, que entram numa cidade minha e se envolvem
nos meus negócios achando que podem ir embora a qualquer momento.
Ela lutou, ela achou que era livre até o último minuto. Mas é
inútil, menina. Sua liberdade acabou no momento em que você
consentiu trabalhar com o jaime.
- Meu nome não é
menina!
- E quem se importa? Se
eu digo que seu nome é menina, ele é menina! Cordas!
Minhas velhas cordas de
nanocelulose prenderam todo o corpo dela esticado e taparam sua boca.
Pelas respostas fisiológicas, ela estava finalmente começando a
entender a situação. Seu coração acelerado, seu corpo tremendo,
seus olhos soltando lágrimas com mais força do que ela tinha pra
segurá-las. Exatamente do jeito que eu gosto.
- Sabe, você está sendo
muito rebelde. Precisa de disciplina. Acredito em você, sabia? Não
vai pra gaveta. Você vai aceitar seu novo lugar no mundo e vai me
servir até eu cansar de você. Quem sabe, então, eu não te
liberte?
Ela tentava segurar os
gritos enquanto eu a chicoteava, mas isso apenas me motivava a bater
mais forte. Aquele suor cheirava muito bem. Uma mulher natural, linda
por natureza. Rara demais pra qualquer artifício substituir. Removi
a fita que cobria sua boca e ela começou a respirar profundamente.
- Pelo amor de deus! O
que você quer!?
- Eu quero que você pare
com a sua graça e fique debaixo da minha mesa chupando o meu pau
enquanto eu trabalho. Difícil? Ah, e você vai usar a luva e a
joelheira pela sua rebeldia, mas nas próximas vezes isso não será
necessário. Tudo bem assim?
- Você... vai me deixar
ir embora depois...?
- Bem, você é livre pra
transitar entre as minhas cidades. Mas sempre virá até mim quando
eu solicitar
Ela começou a chorar
copiosamente. Surpreendente que ela tenha entendido a situação tão
rápido. A maioria continua repetindo pedidos de ajuda e piedade por
até uma hora, como se fosse fazer alguma diferença. Mas ela já
parecia imaginar, mesmo que apenas em suas fantasias mais selvagens,
que o mundo não é o mar de rosas pintado por todos os tipos de
mídia. Que basta você abrir os olhos pra entender que muito mais
eficiente do que antigos métodos de controle das massas é a
dissolução dessas massas. Não há mais grupos pra se organizarem,
já não existem multidões pra causar problemas. Existem
criancinhas, cada um com seu próprio playground, que não querem
papo com as outras a não ser que seja pra serem amadas e admiradas.
Chegamos numa época em
que deixamos de ser filhos únicos pra ser netos únicos. Todos os
tios, avós, pais vivendo em função de uma única criança, que,
apesar de ser completamente medíocre, quer acreditar que é
especial. Os netos únicos um dia percebem que a vida não lhes trará
todas aquelas promessas de sua família, que não serão estrelas e
que ninguém dá a mínima. Hoje em dia, ou você é idiota e iludido
ou você reage como essa loirinha aqui, que aceitou seu lugar. Minha
escrava, com exatamente a bundinha que tem que ter.
Recebi o alerta de que
Emanuel saiu de casa. Aquela bagunça começou a ser restaurada para
o ponto em que ele tinha deixado na última visita. Esses indulgers
sempre me deixaram curioso. Onde passam, de uma maneira ou de outra,
acabam tomando o controle sobre quem satisfazem. Por meio da entrega,
eles fazem com que os outros lhes entreguem dinheiro sem ao menos
pedir. E se você enviar alguém pra capturá-los, é mais fácil
eles voltarem pra te capturar. Como controlar uma pessoa que, pelo
paradoxo da servidão extrema, acaba tomando o controle sobre você
em um nível que você nem entende? Somente quando Emanuel conseguiu
vestir o traje que eu entendi a mina de ouro que essas pessoas são.
Tendo o controle sobre elas, eu posso ter o controle sobre o mundo.
Esse tipo de sedução, parece, é muito mais poderosa do que o
dinheiro. Se coloca frente a frente com a própria ciência, que, com
suas prescrições e regras, frequentemente se veem diante da
necessidade de usar a força.
A flexibilidade deles é
impressionante. Acabaram envolvidas numa disputa entre dois dos meus
subordinados do setor textil. Um deles disse que conseguiria incluir
uma cristã no nosso esquema, todos sabemos que ele não queria mais
do que a bundinha dela só pra ele. O outro, argumentou que cristãos
jamais poderiam aceitar nossa organização, porque isso exige
flexibilidade. Mas a cristã vende e tem talento, então o conflito
já estava decidido. Por algum passe de mágica, eles convenceram uma
cristã a se juntar a dois estranhos e receber carícias e massagens.
Se eles fazem isso com tanta facilidade...!
Por incrível que pareça,
mesmo que não tenham se encontrado, meu pai também estava nessa
boate. O velho agora decidiu sair por aí e gozar a vida depois de
todos esses anos. Mas um traço ele manteve por todo esse tempo: É
tão egocêntrico que fica no mesmo teto com um filho sem ao menos
reconhecer sua presença. Seja sua motivação trabalho ou prazer,
sempre surge alguma coisa mais importante que a família. Na
realidade todos nós somos assim com exceção da minha caçula, a
Letícia. Depois da Liana, somente realmente conservou aquele
espírito de união. Justo quando pensei nela, eis que surgiu uma
ligação holográfica com aquele toque característico de música
eletrônica antiga.
- vai pra baixo da mesa –
comandei a prostituta – e não saia até eu comandar
Acionei os mecanismos da
mesa pra ela ficar isolada e atendi o telefone.
- Letícia! Que bom te
ver!
- Oi fred! É, só assim
pra gente se ver hoje em dia, né!?
- Ando ocupado, você
sabe. Mas vou passar aí daqui a duas semanas e vamos comer alguma
coisa, tudo bem?
- Ah, vem sim. Joãozinho
agora diz que quer ser empresário como você. O menino já está
vendendo programinhas pros colegas e ganhando dinheiro com sete anos!
- Tá no sangue! Mas a
sua cara parece sugerir que você não veio falar do João...
- Ah sim. É sobre o pai.
Ele tá perdido, Fred. Ta saindo até pra esses plasmas aí. Coisa
barra pesada. Ta todo mundo comentando na liga.
- Estão falando mal do
nosso pai?!
- Não, não é nada
disso. Estão preocupados. Desde que a mãe morreu ele foi ficando
cada vez mais desanimado com o trabalho. Largou os projetos dele e
ficou só ajudando os outros. Fez amigos na liga, mas acabou querendo
se aposentar e pegar a segunda infância. Agora ele parece que perdeu
o rumo. Pegou a mesma aparência de quando era novo e está saindo
por aí. Tá todo mundo preocupado com ele. Soube que ele tá até
fazendo acordo com bandido, fred!
- Bandido?
- Sim, um tal de miguel.
Dono de plasma, barre pesada ali na zona norte.
- E que acordo ele fez?
- Ele trocou uma segunda
infância avançada pela guarda de um menino de rua. Eu to falando,
Fred, alguém tem que conversar com ele.
- E porque você mesma
não faz isso?
Ela ficou em silêncio e
levou um tempo até eu perceber que aquela velha mágoa não tinha
sarado. Uma lembrei de uma vez que ela me ligou bêbada pra falar
disso. Não sei se esqueceu por causa da bebida, porque quis
esquecer. Mas alega não lembrar do diálogo e aquela expressão
facial que ela faz quando falamos disso me impede de mostrar a
gravação. Falou que toda a nossa família foi destruída não pela
morte da liana, pelas loucuras do Emanuel ou pela minha ganância.
Que tudo foi consumido pela indiferença dele. Que ela cresceu
admirando ele, sempre querendo ser a filha perfeita, mas ele só
conseguia ver o trabalho, a inovação tecnológica. Nem mesmo quando
ela foi pra liga as coisas mudaram. Todo mundo se espalhou pelo
mundo, a Mãe decidiu morrer e agora as coisas pareciam não ter mais
conserto. Ela disse que jamais perdoaria ele por isso.
- Desculpa, lê. Eu vou
encontrar ele. Faço a distribuição de vários materiais pros
plasmas do rio aqui e vou encontrar esse cara aí pra desfazer esse
acordo.
- Ai você é um amor,
fred. Desculpa eu ficar assim também. Eu sabia que podia contar com
você. Sempre posso!
- Sempre! Olha, le,
preciso atender uma ligação aqui. Coisa de trabalho.
- Tudo bem, a gente vai
viajar já já também. Vamos lá pro Tibet!
- Cuidado pro João não
decidir virar monge e abandonar os bens materiais!
- hahahaha! Tá bem.
Tchau fred
- Tchau...
Seether logo estava me
mandando o as imagens ao vivo de Emanuel. Sentei na mesa e me
preparei pra observar. Por algum motivo, com o passar dos anos,
aprendi que o sexo oral melhora o meu foco. Pode parecer loucura, ser
mais um dos meus placebos, mas acabei construindo toda uma estrutura
acolchoada e ampla abaixo da minha mesa pra acomodar prostitutas.
Fora um instrumento disciplinas ou outro e as grades que prendem a
mulher ali embaixo, é até misericordioso. Afinal, se comportando
bem, a mulher nem sequer sente dor e ainda ganha uma gorjeta que
alguns poderiam classificar como uma pequena fortuna. E as lágrimas
dessa logo abaixo de mim me estimulavam bastante. Algo a respeito da
genuína emoção humana faz o boquete dessas mulheres ser sempre
superior aos dos robôs que já testei. Parei por uns instantes pra
refletir sobre como sou doente por gostar dessas coisas, mas meu
consolo foi que Emanuel sempre consegue me superar. Ele estava sendo
levado pra um quarto por uma mulher com a exata aparência que nossa
mãe tinha quando éramos crianças. Afinal, que tipo de doente sai
pra transar com uma mulher que finge ser sua mãe, imitando o corpo,
as roupas e até alguns aspectos do comportamento? Mas aquilo não
estava além dos limites da minha sensibilidade e eu precisava
entender meu irmão se algum dia pretendia destruir meus maiores
adversários. Com essa máquina de guerra no meu controle eu teria o
mundo nas minhas mãos. Bastava descobrir o que Emanuel procura, o
que faz seu coração pulsar em anseio, e usar isso contra ele.
Chegaram no quarto e a mulher tirou quase toda a roupa de uma vez.
Manteve apenas o sutiã e uma tornozeleira idêntica à da nossa mãe
que, confesso, virou meu estômago. Aquele coração tinha até uma
deformação igual ao original que o próprio Emanuel causou quando
caiu e derrubou a mãe junto com ele. Aquela mulher levava esse
fetiche de modificação corporal bem a sério. A mulher pulou em
cima dele e começou a beijá-lo com força, como quem está com
pressa em busca de algo, mas logo ele a virou e se pôs em cima dela.
- O que você pensa que
tá fazendo, cara? - ela protestou
Pareceu estranho que,
apesar de ser um indulger, que supostamente deveria conhecer os
desejos e ânsias das pessoas, ele não percebeu que ela obviamente
não gostava de ser controlada. E ele insistiu, beijando o pescoço
da mulher num ritmo muito mais calmo e lento do que ela parecia
querer. O rosto dela foi sendo tomado por raiva e ela pegou uma
lâmina dessas nano afiadas e curvadas e pôs no pescoço dele. Logo
ela estava em cima dele de novo. Será que naquele ano dentro da
realidade virtual ele aprendeu a ouvir apenas a linguagem da
violência?
- Quem dita as regras
aqui sou eu, viu?
Ele sorriu e ela apertou
a lâmina contra seu pescoço, deixando escorrer um pouco de sangue.
Em resposta, estranhamente, ele sorriu. Colocou os dois cotovelos na
cama e começou a subir na direção dela, aumentando um pouco o
corte. O colchão parou de absorver o sangue que pingava quando a
boca dela estava sobre seu pescoço chupando o sangue que escorria.
Nem percebi, mas num instante ela tinha largado a arma e começado a
beber o sangue dele enquanto ele a tomava em seus braços e a virava
novamente pra baixo, retomando o controle. Foi como se ele já
soubesse que ela iria querer isso. Ele beijava todo o corpo dela
enquanto seu sangue ia dando cor àquela pele pálida. E ele se
tornava mais intenso na medida em que ela amolecia e perdia o
controle. A gravação dessa cena poderia me fornecer inúmeros
ferramentas de controle interpessoal. Parece loucura você ver uma
pessoa tomar o controle de uma situação com tanta facilidade, como
se ele sempre fosse dela pra começar.
- Espera, eu quero uma
massagem...! - A moça disse quase sussurando
Ele sorriu, parando todos
os beijos e olhando pra ela nos olhos.
- Eu li os livros, viu? E
que sorriso é esse que você tá dando?
- Só to apreciando.
Ele começou a fazer
massagem no pé direito dela, que parecia relaxada, embora em alguns
momentos demonstrasse sentir dor com o toque dele.
- Seether, quero o perfil
dessa mulher no formato padrão com detalhamento na experiência
psicossexual – falei somente agora percebendo como o boquete estava
bom.
Não que aquela mulher
fosse a mais habilidosa que já ocupou aquela posição. A boca dela
estava trêmula demais. Mas toda aquela situação estava me deixando
empolgado de alguma maneira.
- Tá na mão. A mulher é
frígida e abusa de substâncias estimulantes. Supostamente ela só
consegue sentir libido quando induzida quimicamente e todos os seus
orgasmos até hoje foram produzidos por estímulo cerebral direto.
- haha! Quero ver Emanuel
fazer essa aí gozar!
A mulher parecia querer
esboçar algo pra falar, mas sempre acabava escolhendo o silêncio.
Mandei Seether embora e voltei a me concentrar nas imagens.
- Você não pode falar
nada de como se faz pra virar indulger, né?
Emanuel respondeu com um
sorriso imponderável.
- Porque você fica dando
essas risadinhas?
- Eu só to apreciando,
querida.
- Não me chama de
querida que eu não gosto.
- Quem dita as regras
aqui é você, viu?
- Ai, aí não, não faz
massagem aí não. Esse ponto do meu pé dói muito, cara.
- Aqui?
- Ai caralho, é, aí!
Ele tirou uma maleta
debaixo da cama e entrou com uma combinação numérica pra revelar
uma caixinha com pequenas agulhas. Os sensores detectaram que a caixa
estava eletricamente carregada. Ele fez perfurações aparentemente
aleatórias no pé dela, apesar de que todas estavam bem próximas do
ponto dolorido no pé dela. Como quem não tinha mais o que fazer no
pé direito, ele passou pro pé esquerdo.
- Isso é tipo uma
acupumtura?
- É, algo do tipo.
- Nossa, anestesiou
legal! Mas você pode me contar como virou indulger, pelo menos. O
que te levou a escolher essa vida...?
- Assim como muitos de
nós eu estava perdido, recém-saído de uma vida que fazia sentido.
Até que um dia, meio que espontaneamente, conheci uma mulher. Ela
estava aqui, talvez você tenha visto ela subir pro terraço comigo.
Ah sim, eu vi. A indulger. Ela foi sua indulger e te iniciou, então?
- Não, eu que fui
indulger dela sem nem ao menos saber o que era isso. Foi uma
experiência transformadora
- Como assim? Elabora
melhor!
- E remover o mistério
da coisa toda?
- Sim! Fala logo, eu to
curiosa!
- vamos dizer, apenas,
que eu estava perdido e me encontrei. Num passe de mágica, eu
descobri no amor incondicional uma razão pra viver. Naqueles meses
que passamos juntos, eu morri um bocado de vezes e acabei renascendo
um indulger iniciante.
- Caralho você foi
indulger dela por meses? Pensei que era coisa de uma noite só!
- As vezes é coisa de
minutos, as vezes de anos. Isso só depende da situação.
- Entendi. Cara você
precisa me falar como você fez isso. Meu pé direito está relaxado
cara. Não dói nada!
Ele removeu os eletrodos
e voltou a massagear a região.
- Dói agora?
- Não dói, mas ainda me
incomoda.
- Isso aqui é a sua
porta, Luiza. É bem aqui nesse ponto do seu pé. Deixa as coisas
fluírem daqui que você vai destrancar tudo o que está aí dentro.
Sabe-se lá quanta coisa não está aí dentro. Você poderia ser uma
bomba relógio, moça! E eu adoraria te ver explodir...
- O que? Isso não faz
sentido nenhum!
- Só relaxa, tá bem?
Ela se calou e virou de
bruços. Rapidamente Emanuel já estava massageando suas pernas,
embora sistematicamente evitasse o local com a tornozeleira. Talvez
ele não fosse assim tão perturbado quando pareceu inicialmente. Ele
estava tentando amá-la apesar do fato repulsivo de que ela imitava
nossa mãe. Ele queria se superar: estava buscando mais poder sobre
si mesmo, mais liberdade. De fato, ele queria poder assim como eu. Só
que esse poder era sobre si mesmo, sobre as possibilidades dele. E eu
decidi tentar algo assim naquele dia. As gemidas daquela mulher eram
sutis, mas podiam ser ouvidas em resposta ao toque dele. Meu irmão
era massagista nato e qualquer pessoa com o mínimo de informação
sabe que os indulgers trabalham com massagem e expressão corporal em
termos que a ciência mal pode explicar. Pra eles, os músculos do
corpo falam pela pessoa e, com base nesses princípios eles conseguem
ver coisas nas ações das pessoas que aparentemente seriam
insondáveis na ausência de anos de terapia. Dominaram um segredo,
digamos assim, e o mantém guardado a sete chaves.
- Você sangraria por
mim? - ela perguntou
Ele respondeu com aquele
sorriso, mas logo pegou a faca e abriu um corte relativamente
profundo na altura do próprio coração. Ela se sentou e cicatrizou
a ferida que ele tinha no pescoço, mas logo ela a deitou de volta na
cama. Seu sangue escorria num fluxo fraco, mas constante pelo corpo
dela. Quando chegou entre as pernas dela, seu gemido foi estrondoso.
Pelos olhos dele, já sabia o que fazer.
Foi descendo e chegou até
o ponto em que o sangue escorria pro colchão. Ela fechava as pernas,
mas não fazia força demais. Um pouco de vergonha, medo. Mas sua
vontade era muito maior do que o medo. De repente, ele estava com a
boca naquele pequeno rio de sangue, manchando o rosto no próprio
sangue e com dois dedos dentro dela. Cada gemido daquela mulher me
deixava com mais tesão até que o mais extraordinário aconteceu. Eu
gozei com o sexo oral! Uma coisa completamente sem precedentes. Dei
passagem pra mulher sair debaixo da minha mesa. E ela viu alguma
coisa no meu rosto que a fez sorrir.
- Quer um pouco mais,
senhor? - ela falou enquanto se sentava sobre mim
- Eu mandei você sentar
em cima de mim?
- Com o seu olhar. Você
me comandou se mover os lábios.
Ela me beijou e tirou
minha concentração. Antes que eu entendesse o que estava
acontecendo, já estava dentro dela. Eu, dentro de uma prostituta!
Coloquei a cabeça no ombro direito dela e continuei assistindo
Emanuel enquanto ela gemia no meu ouvido. A mulher que ele procurava
satisfazer parecia passar por altos e baixos em sua expressão
facial. Com os olhos fechados, no entanto, ele contava apenas com as
mãos pra decidir se ela estava gostando ou não. Em um dos altos,
ela tirou o sutiã e colocou a mão esquerda dele em um dos seus
seios. Eles eram perturbadoramente parecidos com o da nossa mãe. A
impressão que ela passou é de que existia uma verdadeira barreira
entre ela e o prazer. Toda vez que ela parecia estar chegando lá,
colocava a mão direita na cabeça dele e o empurrava pra trás, como
quem diz: “alto lá, você não é permitido aqui!”. Mas cada vez
ele voltava com mais vontade, cada vez intensificava os movimentos e
as carícias, como se os dois estivessem numa queda de braços.
Estava ficando cada vez mais difícil me concentrar com aquela mulher
sobre mim e, de fato, foi como se estivéssemos na mesma situação,
eu e a mulher que Emanuel procurava satisfazer. Estávamos ambos
tentando parar o prazer, tentando impedir que outra pessoa tomasse de
nós o controle da situação. Não poderíamos admitir que alguém
cruzasse nossa fronteira!
Mas, como com frequência
acontece, muralhas caíram. O braço direito dela cobriu seus olhos
enquanto o esquerdo o puxou adiante e ela começou a se contorcer.
Gemia baixo, especialmente quando comparado com a gemida anterior.
Prendeu a cabeça dele entre suas pernas em meios aos seus movimento
espasmódicos e não consegui me controlar. Porra, ela era frígida!
E gozei mais uma vez, o que nunca tinha acontecido então. Uma
prostituta me fez gozar duas vezes!
E a minha vontade não
tinha fim. Derrubei os projetores da minha mesa no chão e comecei a
foder ela como nunca tinha me permitido desde Liana. Como se fossem
os últimos instantes da minha vida, agarrei ela pelos cabelos e
passei ali bons trinta minutos. Quanto eu terminei, acabamos rolando
pro chão e vi um dos meus projetores mostrando o quarto onde Emanuel
estava deitado com a mulher, acariciando sua tornozeleira e parecendo
satisfeito. Ele olhou exatamente pra câmera que esse projetos
monitorava.
- Gostou do show, fred?
Gostou do que viu?
Fiquei chocado. Será que
ele sabia que estava sendo observado? Será que ele apenas deduziu
que era possível? Que porra foi aquilo?
- Fred? Você é o
Emanuel! Você é filho do Constantino Peçanha! Caralho, eu sei quem
você é! - a mulher disse
Emanuel deu um sorriso
pra ela que não me lembrava nada além daquele de um viciado sobre
intenso efeito de droga. Um sorriso maníaco, talvez meio ameaçador.
- A gente se vê depois,
luíza.
Era informação demais,
era loucura demais. Eu precisava esvaziar minha cabeça pra poder
organizar tudo. Dispensei a prostituta com literalmente a maior
gorjeta já dada nessa cidade e entrei em hibernação induzida. Mas
meu descanso foi perturbado. Algumas horas depois, não sei
exatamente como, alguém cortou toda a eletricidade da cidade. Eu
estava sobre ataque. Meu mundo interno teria que esperar.
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