Cochilei na sala e Creed
me induziu a entrar em realidade virtual. Estávamos em algo como uma
academia onde tudo parecia gigante.
- Constantino, que bom
que funcionou e você está aqui. Estou mostrando as alterações dos
trajes pra luíza, mas tenho alguns módulos novos pra instalar no
seu endocomputador e uns códigos pra escrever pra preparar os
trajes. Ensina aí pra ela da descarga positrônica e tudo.
De repente, estávamos
vestindo os trajes em um ambiente que parecia o centro de São Paulo.
Estava tudo destruído, e logo reconheci o cenário de treinamento de
guerra.
- Os inimigos chegarão
em cinco minutos – disse a voz robótica
- Ah, isso é treinamento
em ondas. Sou boa nisso. Mas fala aí o que é essa descarga
positrônica?
- Ah sim, é uma descarga
desenvolvida por um jovem cientista da liga. Você nunca deve ter
ouvido porque a guardamos meio que como uma arma secreta desde que os
governos pelo mundo deixaram de comprar nossos trajes. Ela
basicamente altera o comportamento das moléculas no processador
central dos robôs e os desativa no processo.
- É tipo uma arma pra
desligar os robôs inimigos? Porra, assim fica mole!
- Não os desativa, mas
os mantém se debatendo pelo chão e sem praticamente nenhuma
capacidade de processar informações. O efeito não é permanente e
isso gasta muita energia. Por isso há ocasiões em que é melhor
você enfrentar os robôs normalmente. Especialmente quando você não
dispõe de uma base com alta carga elétrica liberada gratuitamente,
que vai ser o nosso caso.
- Mas espera aí, e os
robôs que estão dentro de você?
- Eles se fecham sobre um
casco durante o efeito do pulso e ficam inoperantes.
- Então você não vai
mais poder regenerar sua pele sozinho, certo? E os cicatrizadores?
- Nada baseado em
nanotecnologia vai funcionar. Seja cérebros de robôs ou
cicatrizadores de pele. Na verdade esses convencionais não estão
preparados pra lidar com situações assim e podem te matar fechando
veias e tudo mais. Não use em hipótese alguma nessa circunstância.
- Cara, usar isso parece
arriscado demais. Não quero não.
- Bem, melhor saber que
você tem esse recurso.
- Tá bem, mas não quero
não.
- E você, conhece seus
recursos, Constantino? - disse Creed pelo alto-falante
- Cara, você tá
monitorando a gente de fora? Que indelicado! - Luiza disse
- Bem, conheço os
recursos que uso normalmente. Pra falar a verdade eu não li todo o
manual com as possibilidades desse corpo novo, porque é muito longo.
Preferi testar mesmo.
- Bem, agora você
precisa saber. Conectei os pulsos positrônicos ao seu sistema
muscular auxiliar. No caso de você usá-lo sob forte dano no traje,
seus músculos tomarão a forma de fibra de carbono contrátil.
- E porque?
- Bem, pra você poder se
mover, né? - falou Luiza
- Mas isso vai detonar
todos os meus tendões! - protestei
- Vai sim, mas você tem
outros auxiliares pro caso do rompimento dos seus. Você vai ter que
romper todos eles mais cedo ou mais tarde nessa situação.
- Ah, cara, que isso. São
só criminosos, eles não vão ser capazes de ver a gente. Vai ser
tudo tranquilo. Aliás, como você sabe tanto sobre meu corpo?
- Eu recebi a mesma
reconstrução que você, esqueceu? Você mesmo me deu de presente.
- Bem... lembro sim. É
que foi num período conturbado, você sabe. Muita coisa acontecendo,
memória falhando...
- Você vai ter que
deixar de ser uma criança impulsiva agora, Constantino. Não parece
entender a gravidade do que está se propondo a fazer. Por isso vou
te dar uma lição aqui.
- Você dando lição de
moral? Como as coisas mudam!
- É mais uma lição de
sobrevivência! - ele protestou
- Um código moral de
sobrevivência! - retruquei
- Deixa ele falar, porra
– gritou luíza
- Viu, a moça tem juízo.
Desde a época da liga e com as nossas pesquisas, você nunca se deu
conta das coisas que podia fazer. Aquela sua mulherzinha, a mônica,
parecia saber mais do que você era capaz do que você mesmo e ela
nem sabia nada da liga. Poderíamos ter feito modelos mais avançados
e efetivamente ampliado a capacidade criativa daqueles macacos, mas
você apareceu com aquela desculpa ética. Mas nós dois sabemos que
a ética não é o lema da liga e que não levamos a ideia adiante
porque você não achou que conseguiria os recursos. Mas eu monitorei
as comunicações e criei um sistema de ranking pra liga só pra
averiguar isso: você tinha mais influência do que precisava pra
conseguir os macacos e tudo. Você só não sabia do seu verdadeiro
poder.
- Não é tão simples
assim, Creed. Tudo pra você parece que é racional. Eu tenho uma
filha ecologista, sabia? Como você acha que ela se sentiria me vendo
abrir cabeças de chimpanzés que foram tirados da reserva do
departamento dela pra causar demência em vários deles até criar
super macacos que já não seriam mais capazes de viver na selva?
Estaríamos matando todos eles.
- Você fez isso com
gente. Deixe de ser hipócrita. Esse não é o ponto.
- Será que você é
incapaz de pesar as coisas que fala?
- Ok, vamos deixar o
sentimentalismo pra lá. Tudo isso era pra provar o ponto de que o
seu maior erro sempre foi achar que não podia fazer as coisas que
podia. Você achava que não podia ser um bom pai, então desistiu.
Achava que não podia ser um bom marido, então desistiu. Achava que
não podia mais ser um pesquisador decente, então se reconstruiu e
agora quer salvar criancinhas. Só que agora a coisa é séria, cara.
Agora a sua vida está em jogo. Se você decidir que não é capaz de
lutar e desistir, você vai morrer. Chegou o ponto em que você só
tem duas opções: muda ou morre. A não ser, é claro, que você
desista agora e se entregue ao nada que restou da sua vida.
Eu senti ódio. Esse
filho de uma puta vem até a minha casa querendo me dar regras pra
seguir e ainda vem me dizer que eu desisto de tudo!
- Desisto de tudo!? Quem
fez a porra a neuro-interface funcionar? Quem curou a epilepsia? Eu
não desisti da minha família, seu merda! Eu lutei pra fazer o
sistema de reparo de neurônios ficar perfeito e trabalhei na
neuro-interface pra ter minha segunda chance com eles. Pra vencer o
tempo e seguir lutando porque eu não desisti!
- Não desistiu? Sua vida
é uma sequência de desistências! Ficou anos trabalhando em
tecnologia pra fugir de ter que encarar seus filhos e pedir perdão.
Quando você sequer considerou fazer isso? Você só estava querendo
ganhar mais tempo pra seguir sendo um covarde com o rabo entre as
pernas. Mas hoje, meu caro, você precisa ser um homem. Você pode
fazer isso?!
Lágrimas escorreram pelo
meu rosto, mas eu não solucei. Aquele menino não era só um órfão
precisando da minha ajuda. Ele não era só alguém que me lembra meu
filho, um substituto. Ele era parte do meu renascimento. Creed estava
certo. Eu estava tentando resgatar meus erros sem mudar minha atitude
de maneira global. Naquele momento eu decidi viver. Mesmo que só pra
falar com meus filhos e lhes pedir perdão por ser o que sou. Anos e
anos eu lutei pra ganhar mais tempo de inércia e de covardia. Mas
não mais!
- Se eu precisar, vou
usar essa porra. Mas o plano é ser silencioso, certo?
- Sim, mas estou
desconfiado da segurança deles. Até que é formidável, mas não
está à altura do cara que comanda isso. Nem sei quem é, mas sei
que ele tem muito mais recursos do que isso. A defesa pode estar
oculta, então você precisa estar pronto. Precisa saber o que pode
fazer e o que não pode, porque não é só a sua vida na linha cara.
E essa menina não tem músculos de carbono contrátil!
- Eu não sou menina,
porra. E sei me virar sozinha sem esse traje. Eu conheço essa
cidade.
- Mesmo assim, você vai
ter que se esconder e esperar ele vir te resgatar em caso de pulso
positrônico, porque vai ficar desprotegida.
- Não vamos usar esse
pulso, deixa de ser paranoico. Esses trajes são top de linha, a
gente vai destruir esses filhos da puta.
- Bem, as chances disso
acontecer são boas. Mas estejam avisados! Há avisos de emergência
que preciso instalar no seu endocomputador diretamente na parte
biológica, Constantino. Você precisa hibernar agora.
- Só avisos?
- Não, há também
manobras evasivas de combate pra te proteger contra golpes que venham
por trás. Só pra melhorar a segurança.
- Cara você vai hacker
meus ouvidos pra fazer isso, não vai?
- Sim, naturalmente. É
pro caso de você não ter câmeras.
- Isso é estranho pra
caralho. Desde quando você faz isso com seres vivos?
- Tecnicamente não é um
ser vivo. É seu endocomputador e você pode não realizar a manobra
evasiva se se concentrar, além de desativá-la com comandos simples.
Estou só de dando um recurso, não roubando seu livre arbítrio.
Cara, como você pode ser hetero e fresco desse jeito? Parece uma
florzinha!
- Ha! Olha quem fala,
moça delicada! Fala de mim como se você também não tivesse um
mundo de defeitos! Você fala de mim, mas também vive rodeados de
muros, de ideais! Pelo menos eu tentei, porra! E você?!
- Você não sabe do que
está falando. As coisas mudaram. Depois nós conversamos melhor. Vai
lá e se liga na realidade virtual pra ativar a hibernação.
Não falei mais nada e
deitei no leito, que foi me envolvendo como de costume. Ouvi algumas
falas:
- Você não foi duro
demais com ele?
- Não, ele precisa
disso. Você não sabe, mas...
E entrei naquela
escuridão do estado de hibernação. As pessoas normalmente dormem,
porque é uma situação em que você perde total contato com seus
sentidos. Pra algumas é até angustiante ficar acordado, mas eu já
entrei nesse estado precisamente pra pensar. Em hibernação, você
não perde suas faculdades mentais. É como se você vivesse
desencarnado, sua existência reduzida a termos abstratos. A zona de
hibernação é minha zona de conforto, onde tudo existe nos meus
termos autistas. Fiquei pensando no que me motiva, no que eu
realmente quero com essa loucura toda. Eu queria resgatar o menino
pra me absolver pela minha ausência com relação aos meus filhos?
Queria retomar a luta social da Luíza, combatendo o crime que ela
sempre acusou? Ou será que eu queria apenas me livrar do mar de
apatia robótica que minha vida se tornou? Talvez tudo? Eu poderia
nunca encontrar redenção pelos meus erros e nunca recuperar o amor
dos meus filhos, mas precisava ao menos de um legado bom pro mundo. A
ideia de morrer sempre me angustiou justamente por isso. Porque
inventei coisas e resolvi problemas, mas nunca lutei senão pelas
minhas próprias ânsias. Mas aquele momento era diferente: ali eu
queria fazer como a Luíza, algo genuinamente em prol de outras
pessoas. Minha vida não poderia se realizar sem eu fazer alguma
coisa genuinamente altruísta. Eu tinha um complexo de messias a ser
realizado e poderia ser a última realização da minha vida. Pela
primeira vez, eu soube que poderia morrer e senti que isso valeria a
pena. Antes eu pensava em termos de risco, dessa vez eu nem pensei
claramente. Eu só senti aquele ímpeto de justiça, totalmente novo
pra mim. Meu próprio espírito renasceu depois daquela reconstrução
e somente hibernando eu pude perceber. Não demorou muito até Creed
me tirar da hibernação sem aviso.
- Constantino, já está
na hora. As camadas do traje já foram dispostas na ordem pelo seu
robô velho.
- Certo, certo – falei
num to de voz mais baixo que o usual
Luiza estava se vestindo
e parei pra olhar pra ela um pouco. Aqueles traços lindos no rosto
dela não eram os mesmos da mãe dos meus filhos. Eles eram traços
da alma se fazendo carne.
- Tá olhando o que? O
que foi? - ela disse
- Nada, só estou
apreciando.
Ela não gostou da minha
resposta, aparentemente. Se virou de costas e, sem entender o que
estava acontecendo, comecei a vestir o traje. Eram tantas camadas que
até eu duvidava da capacidade daquele traje de dissipar calor, mas
realmente o sistema de nanocompressão funcionava muito bem. Quanto
maior o número de camadas eu vestia, mais motivado eu me sentia.
Antes era meio claustrofóbico, mas eu já estava farto de orientar
minhas decisões por fobias. Não, dessa vez eu era todo vontade e
meus medos ficaram guardados em algum canto que eu desconhecia. Dessa
vez era eu o guerreiro! Luíza terminou de vestir o traje bem antes
de mim. Era bem eficiente nisso.
- Cara, anda logo com
isso. Deixa de ser lerdo! - ela disse
- Não liga não, moça.
Esse aí é assim com sapatos e exoesqueletos. Fica parando pra
pensar na morte da bezerra e demora a vida inteira pra terminar. Pelo
menos ele veste tudo direito, né? Sua última camada de compressão
não está ajustada perfeitamente.
- Como assim, você não
ouviu o click? Claro que está, eu conheco esse traje.
- Está errado. Refaça.
- Vai se foder, tá
certo, eu não vou refazer nada!
- Está desprotegido e
qualquer nano-robô pode desativar toda a sua refrigeração. Devo te
lembrar que dentro desse traje você pode literalmente morrer de
calor se ficar presa nele com os compressores invertidos?
- Cala essa boca, hacker.
Desde quando você é especialista em exoesqueletos!?
Desliguei a recepção de
áudio quando fechei a antepenúltima camada de capacete e Creed se
conectou aos óculos do meu traje.
- Essa mulher parece
incapaz de sequer verificar se há algo de errado na instalação do
traje! Desde quando você começou a ter relações com pessoas tão
irracionais assim? Cara, nem a sua ex-mulher era assim!
- Bem, ela não me
parecia ser assim. Vivendo e aprendendo, né? Mas ela não tá nem
examinando o problema?
- Bem, agora que eu tirei
meu holograma ela está checando o negócio. Não sei porque o drama
quando eu estava com imagem lá. Parece até que ela acha que não
estou vendo o que ela faz!
- Bem capaz de ela pensar
isso sim. Essa sala não tem cãmeras.
- Tem a sua, né? Bem,
ela não está resolvendo nada. Vá você lá e conserte o erro dela
porque a comemoração já vai começar.
Meu traje estava equipado
e eu fui na direção de Luíza. Ela parecia desconfiada.
- O creed foi falar com
você, não foi? Que cara metido, meu deus do céu. Insuportável!
Não quero falar com ele na missão, Tino!
- Ele vai monitorar
nossos inimigos, Luíza. Você não precisa ouvir todas as sugestões
dele. Mas sério, esse cara é um gênio. Uma máquina de calcular!
- Vai se foder,
Constantino. Eu sou muito mais avançado que calculadoras. Eu tenho
uma na minha cabeça e é só um detalhe! - protestou Creed enquanto
aparecia em holograma novamente.
- Você se acha o fodão,
não é? - disse Luíza
- Minha jovem, eu sou o
fodão. Na quinta vez que eu salvar a sua vida hoje você vai
entender isso!
- Hahahahahahahahaha!
Esse é o Creed que eu conheço!
Mas Luíza não esboçou
sorriso. Só virou na minha direção e fez um gesto pra eu ver o
erro dela e facilmente eu o encontrei. Ela não sabia do módulo
extra de proteção e encaixou o traje sem por ele pra dentro
completamente. Tudo o que precisava ser feito era abrir aquela parte
do traje, colocar a proteção (que parecia um pedaço de pano) pra
dentro e fechar novamente. E então estávamos prontos pro combate. O
frio da minha barriga se propagou pelo meu corpo. Creed começou a
revisar o plano de ataque com as ilustrações no projetor.
- Então, Constantino,
quem é esse cara que você pôs em quarentena na liga?
- Creed, você precisa
parar de invadir o sistema da liga. Um dia eles vão te pegar, cara.
Eles têm muitos recursos e muitos hackers.
- Eu não invadi o
sistema deles, po. Eu só estava vendo o que Você fazia. E sei que o
que você indicou é pra prender ele lá. O que você tava
pretendendo?
- Só queria
desestabilizar a hirearquia pra atacar e liberar as crianças.
- Você nem pesquisou pra
fazer isso, né? Desde quando você é impulsivo assim? Estragaram
sua regulação emocional? Ou será que só consertaram e ela estava
estragada antes?
- Não planejei. Mas com
os recursos que tenho é possível resgatar e preservar a integridade
das crianças contra uma facção como essa.
- Você não entende a
dinâmica de poder desse mundo mais, cara. Nós retornamos ao
feudalismo. Anônimos hoje em dia são donos de cidades como se
fossem sua propriedade privada. Uma espécie de estado paralelo e
privado. São donos dos postos de gasolina, fast food, puteiros,
plasmas, boates, tudo o que dá bastante dinheiro. Ah, e são donos
das empreiteiras e controlam todo o transporte coletivo, além de
serem donos dos prefeitos, como já acontecia na sua época. O dono
dessa cidade eu ainda não consegui identificar, mas ele é bem
poderoso e é dono de pelo menos mais duas cidades no brasil. Ele
pode ter ligações com a Liga, mas confesso que Não consegui
quebrar os códigos dele. Tudo bem que não tive tempo, mas isso é
pra dizer que esse cara tem recursos. Ele tem defesas do nível da
Liga!
- Acha que é tecnologia
contrabandeada?
- Possivelmente cedida,
né? Qualquer pessoa poderosa hoje em dia entende a importância de
ter bons negócios com esse grupinho de psicopatas do qual você
fazia parte!
- Não são psicopatas! -
disse Luíza
- Imagino que você leu
os livros das editoras “não relacionadas com a liga” falando do
bem que a liga faz, não? Esses psicopatas são a maior praga que já
assolou esse planeta e não tem avanço tecnológico que compense a
destruição que eles já causaram. - creed retrucou
- Você é um
conspiracionista louco. Vamos logo pro plano. Constantino vai pro
centro e eu pra zona oeste, certo? Nesses pontos serão os eventos e
todos os membros importantes da facção estarão em uma dessas
reuniões. Mas porque não fazem uma só?
- São culturas
diferentes. Se não fosse pelo líder em comum, essas facções
seriam separadas. Talvez aliadas, talvez neutras, mas nunca uma coisa
só. Precisamos apenas colocar uma contra a outra e tirar o poder
desse líder. Então eis o plano: Vou apagar a energia central da
cidade e vocês entram com a invisibilidade ligada e matam esses
caras que estão nos seus óculos. São só cinco e sei que podem
matar mais, mas eles são líderes importantes. Depois de matá-los,
vão voando na direção do território um do outro e deixem eles
perseguirem. Lá no meio do caos eles vão começar a destruir uns
aos outros. - explicou Creed
- Cara, sou só eu que to
vendo que várias pessoas inocentes vão morrer com esse seu plano?
- Não. Mas é só você
que não sabe a quantidade de pessoas que eles matam e escravizam.
- Escravizam?
- Sim, não sabia? Que
santinha! Além disso, a maior parte do combate será feito no solo e
não bastará pra derrubar essas cavernas de aço gigantes onde as
pessoas moram hoje em dia. Quem morrer vai ser por estar na rua logo
que a confusão começar. E quem anda na rua hoje em dia?
- Ai, não aguento mais
essa cara! Vamo, Tino, vamos fazer as coisas acontecerem porque ele
só sabe falar!
Ela andou como quem vai
sair do laboratório pra ir pra sala. Não sei se pensava que iria
simplesmente sair com um traje gigante apertada pela porta da frente,
mas pareceu insatisfeita com o fato de que eu não a seguia.
- Anda logo, deixa de ser
lerdo constantino.
- Não dá pra sair por
aí. - respondi tentando segurar o riso
- É obvio que dá, olha
o tamanho da sua porta! - ela retrucou
- Então você vai fazer
o que, pegar o elevador e descer até o térreo? - comentou Creed
- Pela janela é que não
vamos sair, né?
- Luíza, essa casa é no
último andar. É só sairmos pelo topo do prédio. Já traçamos
nossas rotas e vamos diretamente e invisíveis. - expliquei
- Teste, teste, estão me
ouvindo? - disse creed com voz chiada
- O que você fez com o
aúdio, cara. A qualidade está uma merda!
- Estou fazendo broadcast
de sinal analógico. Qualquer sinal digital vai ficar inoperante,
porque vou interferir na identificação de pacotes de dados. Vocês
vão, basicamente, ouvir fragmentos de conversas de outras pessoas se
não usarem esse método de comunicação. Com ele nos comunicaremos
fluentemente e sem interferência a não ser que o canhão de pulso
positrônico seja usado.
- E porque você vai
fazer isso? - ela perguntou em tom cético – como eles vão chamar
reforços um contra o outro se não podem se comunicar?
- Eles vão usar fogos de
artifício. Se puderem se comunicar, vão falar diretamente com o
líder, que vai saber do que se trata e colocar todos contra você. E
não pensem que um homem como esse não tem acesso a marsídio. Ele
vai massacrar vocês.
- Com esse seu pensamento
negativo, nenhuma precaução nos salvará!
Depois de alguns
instantes de silêncio, subimos pro telhado. A imagem da rota mais
curta até meu destino surgiu projetada sobre meus olhos. As fotos
dos meus alvos primários surgiu. Não eram todos líderes na
hierarquia oficial, mas eram populares e suas mortes causariam pânico
e ódio. Então tudo o que eu devia fazer era voar até o meio do
caminho entre meu destino e o da Luíza e deixar a destruição
acontecer. Luíza ativou a invisibilidade e desapareceu.
- Tudo pronto, podem ir!
- anunciou Creed
Eu pude ouvir o abafado
som de Luíza decolando e logo em seguida era eu no céu. Fiz várias
simulações naquele traje, mas nunca realmente voei com ele pela
cidade. Risível, de fato, mas é a verdade. Na minha história o que
mais se encontra são previsões teóricas e projetos que construí e
nunca vivi. Mas dessa vez era eu no céu, e eu gritava com um
espírito juvenil que nunca tive.
- Porra, constantino, tá
alto seu microfone, para de gritar – protestou luíza – parece
criança!
- Por acaso não estou na
minha segunda infância?
Eu rodopiei pelo céu e
vi luzes de estrelas e da cidade se alternando até chegar perto do
meu destino.
- Contantino, para de
girar que tá dando interferência – protestou Luíza novamente
- Não gosta mais do meu
apelido? Senti falta do carinho agora!
- Cala a boca, não era
carinho, era só pela facilidade. Vamos acabar com esses filhos da
puta!
Mergulhei na direção do
que se mostrou ser um evento enorme com centenas de participantes.
Meus alvos logo se formaram na tela e pousei em uma rampa de mergulho
da piscina onde eles nadavam. Apesar de toda a luz, ninguém podia me
ver.
- Creed, você vai afetar
a eletricidade aqui? Acho que não precisa – pontuei
- Pessoas se assustam
mais facilmente quando no escuro. Não há tecnologia de visão
noturna que resolva isso. Vivemos num mundo em que praticamente não
há mais noite, tamanha a iluminação. Já não há mais estrelas no
céu e a civilização aprendeu a ter medo da escuridão. Já vi
muitos casos de pânico por ausência de eletricidade, já que faz
uns 30 anos que quase nunca ficamos sem luz. Sem essa segurança
fundamental, nada restará senão instinto.
- Você tem mesmo
evidência disso? - perguntei
- Tenho. Só não mostro
porque seu sinal é analógico e o acesso às nuvens já é bastante
restrito. Outra hora, quem sabe!
No momento em que me
preparei pra atacar, vi uma cena estarrecedora. Robôs montaram uma
espécie de ringue no meio de um campo de futebol e jogaram uma
mulher dentro dele com uma lança que parecia ser se titânio
nanoafiado. A mulher estava sem camisa, com os peitos balançando e
certamente não queria estar ali. Seu cabelo desgrenhado, seu olho
inchado e toda a lama que cobria seu corpo davam sinal dos maltratos
que ela recebeu. Destruiu um dos robôs que a arrastava pra lá assim
que ele lhe deu a lança e gritava com uma mistura de medo de ódio
contra seus captores. Um homem que aparentava ser recém-reconstruído
começou a falar:
- Eis aí a nossa mais
nova sininho! Eis aí nossa revolucionária que jurou lutar contra
nossa organização! Hoje a noite ela vai lutar! E vai lutar até a
morte, como andou jurando nas realidades virtuais! Release the
fucking Hounds!
Um robô veio trazendo
uma criatura que só posso descrever como abominável presa por uma
coleira. Parecia um felino, mas tinha mandíbulas como a de um cão e
dentes afiados enormes. Tinha o tamanho de um cão de grande porte e
sua espinha se prolongava pra fora formando espinhos nas vertebras.
Os olhos da criatura pareciam emitir luz, como se fosse um recurso
intimidador. Lembrei que tinha comigo a lança de veneno de Miguel.
Só mais um dos artefatos funestos que estavam sendo criados pra
consumir e destruir o futuro brilhante que eu tanto sonhei.
A besta era atraída pelo
robô por uma espécie de isca retangular como barra de chocolate.
Logo na entrada do ringue o animal ficou impaciente e arrancou a mão
do robô junto com seu prêmio. Era um robô com membros de aço,
então senti pena da mulher. Quem lutaria pelos fracos? Quem daria
voz ao grito de guerra dos mudos sociais?
O homem que anunciou o
massacre se chamava bira era um dos meus alvos, mas naquele ponto eu
só me preocupava com a mulher. Quando a criatura pulou na direção
dela, eu mesmo tentei pular da pista de mergulho, que cedeu ao peso
do meu traje e quebrou, me forçando a voar desajeitado. Logo chamei
a atenção dos inimigos...
- Constantino, já matei
meus alvos e to indo praí. Como você tá? - Luíza falou
As luzes se apagaram e vi
apenas com a visão noturna que a mulher matou a fera com a lança.
Um único golpe: ela caída no chão com a lança apontada pra cima e
a criatura pulou pra própria morte como se não tivesse nenhum
instinto de sobrevivência. A lança atravessou o peito do animal,
que seguiu tentando esfolar o rosto dela com mordidas enquanto
sangrava até a morte.
Alguém jogou muitas
iscas na direção do ringue e soltou os cães, que foram na direção
dele. Ela estaria condenada se eu continuasse sem agir.
- porra, constantino,
responde! Você tá vivo? - Luíza perguntou preocupada
- To aqui, to vivo. Vem
pro meu destino, vem pra cá
- cara tem uns bichos
estranhos me seguindo. Não sei até quando consigo desviar deles,
resolve seu lado aí logo que vai dar merda!
Eu desci até o ringue e
peguei a mulher, revelando minha posição. Começaram a atirar em
mim, e tive que voar numa posição pouco eficiente abraçando a
mulher e não usando os propulsores do meu braço. Embora os tiros
não tenham causado danos ao casco, eliminaram a invisibilidade nos
pontos atingidos, funcionalmente tirando minha invisibilidade.
- Quem é você? -
perguntou a mulher
- Sou só um louco. Não
se preocupa com isso. Eu vou pegar eles.
- Meu nome é Leigh Anne,
me procura! - disse ela bem antes de eu decolar, deixando ela no topo
de um pequeno prédio.
Quando cheguei de volta
no lugar, robôs já estavam armados e voando enquanto meus alvos já
não podiam ser rastreados digitalmente apenas as fotos deles
permaneceram na minha tela e eu tinha que encontrá-los. Uma sirene
começou a tocar e o combate começou bem diferente do planejado.
Quando pousei, um robô
saltou na minha direção e tentou acertar diretamente o meu braço
direito com um martelo pequeno. Quando me esquivei e esmaguei o tórax
dele, eliminando seu processador central, descobri que era um martelo
de marsídio. Creed estava certo: aquela gente trabalhava com
tecnologia da liga. Pena pra eles que não era a última tecnologia
da liga, porque os robôs não podiam me enfrentar. Um atrás do
outro me atacavam e eu me esquivava sem muito esforço e os destruía.
Ora com tiros, ora com o próprio martelo que tomei do primeiro.
Levou um tempo pra eu perceber que estavam apenas me atrasando.
Quando acabaram os robôs, as feras me atacaram, também focadas no
meu braço direito e foram bem mais rápidas que os robôs. E não me
atacam uma de cada vez, mas vinham em conjunto. Eu dava saltos
mortais em esquiva enquanto quebrava os ossos delas com o martelo e
com os próprios punhos. No ímpeto de usar a arma do inimigo contra
ele mesmo eu esqueci que a minha própria estava ali por um tempo.
Mas um deles removeu o martelo de mim e ativei os punhos.
Tomado por uma espécie
de frenezi, comecei a chacinar os animais e usar os cadáveres deles
pra atingir outros. Nada os intimidava e, mesmo quando apenas um
restou, ele seguiu atacando meu braço direito, que teve o encaixe do
casco de marsídio levemente danificado.
Como minha invisibilidade
mal funcionava, desativei-a por completo e corri na direção do
abrigo dos bêbados que pensaram que me venceriam tão facilmente.
Bira estava logo na entrada e correu quando me viu.
- Pega ele, porra! Chama
o governador, caralho, chama a cavalaria!
O homem entrou em uma
sala que resistiu aos meus tiros, possivelmente envolvida em grossas
camadas de aço, mas os demais estavam vulneráveis. Acertei todos os
outros alvos. Quando eu me voltei pra erradicar o resto deles, fui
atacado pelo que inicialmente pensei serem robôs, mas logo percebi
que se tratava de humanos em trajes. E eram formidáveis, dignos da
década de 60. Um modelo concorrente do nosso que se provou mais
durável e comercialmente viável. Aqueles trajes eram a última
prova de que há ciência e tecnologia fora da liga, que alguém de
fora pode superar os maiores inventores do mundo. Mesmo
ultrapassados, em conjunto eles se provaram difíceis de enfrentar.
Destruí um deles com um soco certeiro no peito, confirmando que não
tinham casco de marsídio e eles seguiram atirando no meu braço
direito até que o casco ficou frouxo. Quando pensei Em voar na
direção da luíza ela chegou, seguida por uma horda de robôs e
abominações genéticas voando e saltando.
Os primeiros a atacar
foram os monstros, que vieram diretamente na minha direção e na dos
meus oponentes. Estávamos em combate quase equilibrado, com
praticamente nenhum golpe sendo acertado e tiros se provando inúteis
até que aquele clube se transformou num campo de guerra. Mais e mais
trajes saíram e um maior saiu de onde Bira entrou. Ele entrou não
pra se esconder, mas pra se vestir pra batalha.
- Tino, sai daí, vem...
A comunicação com Luíza
sofreu interferência e eu só pude ouvir chiado. Imaginei que ela
queria que eu ficasse mais próximo dela, que já tinha perdido a
invisibilidade. Juntos, lutamos em meio ao caos e a escuridão onde
todos pareciam ser inimigos de todos. Meu braço direito seguiu
sofrendo danos.
- Querem tirar meu casco,
filho da puta! Então toma!
Comecei a acertá-los com
o punho direito e pareciam mal tentar de esquivar. Meu dano
aumentava, mas os corpos deles se acumulavam. Foi aí que bira chegou
e pisou na minha cabeça. Se antes eu estava sob controle vencendo
meus inimigos, naquele momento o mundo inteiro girava enquanto ele
atacava Luíza. Um golpe atrás do outro ele a acertava enquanto ela
revidava à altura, mas parecia não causar dano nele. Quando me
ergui, a vi ser lançada na piscina e o segurei pelo pescoço antes
que ele fosse atrás dela. Sem dificuldade ele me lançou pra frente
e não cai na piscina porque meu endocomputador ativou o voo
automaticamente. Ela não tinha esse recurso...
- Quem é você? Pra quem
você trabalha?! – o alto-falante de bira bradou
Mas eu só gritei a voei
na direção dele, que foi tirado da minha frente pelo ataque de uma
das feras voadoras que devia ter uns dois metros de altura. Persegui
os dois até ouvir o alto-falante de luíza
- Tino! - ela gritou em
tom agudo
Dois dos monstros
voadores a seguravam e golpeavam seu tórax violentamente. Deixei
bira com seus problemas e fui na direção dela. Quando tirei um dos
monstros dela, o outro a soltou e me atacou, apenas pra ser
metralhado por ela mesma, agora de braços livres. Esmaguei a cabeça
do outro contra o chão e nem vi o chão apontado na minha direção.
Uma bala de titânio do tamanho dos cães me atingiu de cima pra
baixo, me lançando longe e desorientado no ar. Tive tempo de ver
bira com a arma em mãos.
- Agora assiste seu amigo
morrer, seu filho da puta! - ele gritou
Mas logo um robô enorme
o atacou e eu o perdi de vista enquanto o mundo girava em volta de
mim. Caí num prédio comercial e destruí dois andares no impacto.
Mal tive tempo de entender o que estava acontecendo quando ouvi Luíza
- Tino! - Luíza gritou,
mas não por si mesma.
Com meu casco do braço
direito frouxo eu já não contava com a mão direita pra me apoiar.
Meu ouvido zumbia e meu corpo já estava mole. Perdi a flexibilidade
do tórax quase por completo, mas ainda podia voar, então voltei pra
luta. Quando cheguei lá, Luíza estava lutando com bira, mas dessa
vez vencendo. Com cada golpe que ela acertava em sua cabeça ele
parecia mais desorientado e a confusão já era tão grande que
monstros se atacavam mutuamente enquanto reforços desorientados
chegavam de todos os lados. Já tínhamos criado a nossa bagunça e
era hora de ir embora, mas bira se segurou firmemente à Luíza,
impedindo-a de sair do lugar e resistindo a todos o ataque dela.
Quando me aproximei pra salvá-la que ele detonou o próprio traje,
lançando nós dois longe e matando tudo além de nós dois num raio
de 30 metros. Robôs e monstros despedaçados choviam no céu e
finalmente todos os meus alvos estavam mortos, mas meu traje estava
inoperante. Nossos inimigos de traje, no entanto, não foram
totalmente danificados e se recompunham pra nos destruir.
- O pulso! - ela gritou
Mas antes que eu pudesse
alcançar o meu, ela ativou o dela e todas as luzes se apagaram. Os
trajes caíram no chão como robôs sem bateria e fiquei preso no
meu. Rapidamente a pele do meu corpo começou a coçar como se eu
tivesse urgência pra sair daquele casco claustrofóbico. Eu sabia o
que devia fazer e o tempo era curto. Vi que algumas feras
sobreviveram e o pulso positrônico não afeta seres vivos, seja pelo
motivo que for. Os monstros nos matariam se eu não ativasse a
musculatura auxiliar. A ideia de romper todos os tendões do meu
corpo, no entanto, não me parecia nem um pouco agradável. Fogo e
fumaça estavam por todo lado e todos pareciam mortos, mas alguém
soltou fogos que não paravam de subir. Aquilo traria reforços e
precisávamos fugir.
A pior dor de todas, eu
percebi, é aquela que precisamos sentir pra ganharmos força quando
estamos fracos. Naquele caso não foi diferente: No começo, rompi
apenas tendões e ligamentos dos braços de ombros sob uma dor
excruciante que pode ser minimamente comparada com a sensação se
ter um membro arrancado. Tentei eliminar minha dor, mas meu
endocomputador me passou uma mensagem automática
“Devido ao pulso
positrônico, todos os recursos nano robóticos já não funcionam”
Nenhum artifício poderia
me livrar daquela dor. Ela tinha que ser sentida se eu tinha alguma
esperança de me salvar e de salvar Luíza. Minha vida passou pelos
meus olhos quando um dos monstros voadores mordeu meu capacete e
começou a me sacudir de um lado pro outro. Um beijo na montanha, um
beijo na ponte, um beijo no terraço. Parecia que toda a minha linha
do tempo se orientava por beijos memoráveis. Perigo pra todo o lado
e eu pensando em beijos
- Tino!!! - Luíza gritou
enquanto dois dos monstros tentavam erguê-la no ar pra sequestrá-la.
Reagi rápido e esmaguei
a cabeça do monstro que me atacava entre meus braços. A força que
resultou de toda aquela dor era formidável. Apesar de que ela era
enorme e não passava, comecei a romper ligamentos e tendões até
meu corpo ser todo meu novamente. Em alguns segundos eu estava de pé
e correndo na direção dela. Eles decolaram, mas pulei e puxei os
dois pra baixo. Com murros usando as duas mãos eu esmaguei o crânio
dos dois e danifiquei ainda mais meu braço direito, que já não
tinha mais o casco de marsídio.
- Vem, vamos embora –
falei com luíza
- Tino, tira meu
capacete. Tá abafado
Enquanto eu removia todo
o casco dela pra faz possível uma fuga rápida, começou a tocar uma
música. Era Dies Irae, de jenkins! Mas que aparelho de som
funcionaria naquelas circunstâncias? Como aquilo era possível? A
cantoria prometia a ira de Deus e eu não queria ficar ali pra
descobrir do que se tratava. Coloquei luíza no ombro direito e
comecei a correr na direção do ponto de partida, mas logo que saí
pela rua me deparei com a fonte dos ruídos.
Uma daquelas bestas que
atacava Leigh Anne quando cheguei, mas dez vezes maior. Sua boca
estava aberta e dela saia a música. Como se suas cordas vocais
tivessem sido geneticamente programadas pra reproduzir música. Um
feito já imaginado no passado, mas que exigiria recursos
consideráveis e não valia a pena. Naquela noite a música anunciou
a chegada de um homem que se considerava divindade, montado sobre a
fera sob um traje parecido com o meu, mas menor. Parecia pequeno com
seus aproximados dois metros e trinta pros padrões dos trajes de
guerra, mas logo entendi o propósito do seu tamanho: ele não tinha
aparato robótico. Se tratava de um traje otimizado pro uso com
musculatura de carbono contrátil, não passava de uma armadura sem
tecnologia.
Deixei Luíza desacordada
num beco e corri na direção dele, que avançou com sua montaria.
Quando saltei pra derrubá-lo, a criatura saltou pro lado e vi apenas
seu martelo gigante acertar meu torax e lançar longe o que restava
do meu casco enquanto eu girava em pleno ar. Tentei disparar minha
arma, mas percebi que a única que tinha munição tinha sido
danificada e já não podia disparar. A fera me tomou na sua boca,
interrompendo a música, e me sacudiu de um lado pro outro. Quando
ela me lançou contra a parede, mesmo tonto, consegui me recompor em
pleno ar e cair de pé no chão.
- Porra, diz que essa
monstruosidade usa oxigênio carregado em ferro! - falei comigo mesmo
Se a criatura tivesse
sangue como o meu, a lança de Miguel poderia matá-la mesmo que
tivesse nanotecnologia instalada. Era minha única chance. Limpei a
poeira do meu traje e comecei a removê-lo, camada por camada, até
pouco sobrar no meu tórax e eu poder empunhar a lança escondida
abaixo das camadas. Andei lentamente até o meio da rua e abri os
braços fitando a armadura e sua montaria.
- Tino, não! Sai daqui,
vai embora, se salva! - Luíza gritava repetidamente, desperta pela
confusão
Mas eu não me movi e a
fera começou a correr na minha direção. Logo peguei a lança e
comecei a disparar todo o cianureto que ela continha e que podia
sintetizar. Suficiente pra matar um elefante, pelos meus cálculos,
mas apenas enfraqueceu a fera e tirou um pouco de seu equilíbrio.
Logo a lança começou a exigir tempo pra ressintetizar seu cianeto.
Como o montador da fera não parecia entender o que aconteceu, seguiu
vindo na minha direção sem recuperar o equilíbrio e então eu fui
contra ele. Loucura, porque uma mordida da fera me mataria, mas eu
não tinha escolha. Quando eu saltei com o objetivo de derrubar o
montador, a fera tentou me abocanhar, mas estava lenta e falhou,
deixando seu mestre vulnerável. Meu chute o acertou em cheio e eu
mesmo caí sobre a fera, que começou a tentar me sacudir pra longe.
Segurei os ossos que saiam por sua espinha e puxei dois deles,
produzindo um grito tão alto que Luíza se contorceu no chão.
Removi duas vértebras da fera, que perdeu os movimentos das patas
traseiras, e aproveitei a oportunidade pra enfiar as mesmas vértebras
na cabeça dela.
Mal pude olhar em volta e
já tinha sido derrubado no chão. O inimigo enfiou uma lança
possivelmente de titânio no meu braço direito, me prendando ao
chão. Meu grito foi tão forte que parecia remover todo o ar dos
meus pulmões. Eu respondi com um soco na cara, que foi logo
devolvido por ele diversas vezes até remover meu casco da cabeça. A
partir daí ele seguiu removendo camada após camada do meu capacete
até que meu rosto ficou completamente nu e ele congelou como se
fosse um robô desligado. Por uns 15 segundos ele ficou ali parado e
então começou a tirar as casmadas do próprio capacete. Quem seria
ele?
Num piscar de olhos,
Luíza o acertou com um daqueles martelos pequenos e ele desmaiou.
Mais ruído de música podia ser ouvido e eu removi a lança do meu
braço, que sangrava bastante.
- Vamos cuidar desse
braço em casa, vem, vambora!
E ela me ajudou a andar
pelos becos até chegarmos num ponto relativamente distante e
começarmos a tirar o traje. Em pouco tempo, já eramos pessoas
normais com hematomas pelo corpo sendo cobertos por nossas roupas.
Fomos pra casa juntos, mas eu não tive a sensação de dever
cumprido. Vendo todas aquelas monstruosidades, entendi que o problema
era muito maior do que uma facção explorando a venda de drogas e o
trabalho infantil. Tudo na sociedade parecia se corromper e a própria
ciência parecia se tornar fascista. Demoramos pra chegar e quando
deitei na cama o efeito do pulso positrônico já tinha passado. Meu
braço foi curado e meu sangue substituído. Wallie se ligou
automaticamente e começou a dançar soba melodia de Sgt major, do
Jet. “wake up major...” E Luíza me deu um beijo que pareceu durar uma
eternidade. A música seguia se repetindo, meu corpo seguia
amolecendo. Mais um beijo pra marcar minha jornada...
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