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Virtualidade real (Extra)



 -       Olá e bem vindos ao primeiro bimestre do curso de Arquitetura da Universidade virtual de La Paz. Meu nome é Andrea e eu serei sua professora em uma série de disciplinas nomeada “Conceitos básicos de arquitetura virtual”. Antes que me perguntem, é cientificamente comprovado que o aprendizado de conteúdo novo não é eficiente por neurocomunicação. Em matérias mais adiante, quando se tratar de conteúdos que vocês comprovadamente dominam, usaremos essa comunicação como meio de agilizar projetos, mas o aprendizado precisa acontecer por linguagem oral e escrita. A produção de trabalhos por meio de neurocomunicadores é permitida desde que estes sejam entregues em formato de texto. Estaremos trabalhando em língua portuguesa pura por determinação da coordenação e tradutores em tempo real são autorizados, desde que isso não interfira no desempenho de seus computadores. Mas chega dessas explicações. Vou agora responder perguntas dos alunos. Lembrem-se de usar linguagem falada ou escrita.
-       Olá, meu nome é Fernando e tenho algumas duas dúvidas a respeito da exigência de linguagem falada ou escrita.
-        Pois bem, faça suas perguntas, Fernando.
-        Em primeiro lugar, se nós estamos imersos em realidade virtual e não movemos nossas bocas pra falar ou nossas mãos pra escrever, o que legitima essa separação? Ou melhor palavras, o que garante que o aluno não produzirá uma cibermensagem pro seu computador traduzir e enviar?
-        Acredito que você confundiu um pouco essas dua tecnologias, possivelmente porque você já nasceu num mundo onde ambas eram comuns. Mas a tecnologia de realidade virtual é mais antiga e estável do que a cibercomunicação. A primeira é uma interação direta entre cérebro e máquina que simula a experiência sensorial. Isso inclui percepção vestibular e propriocepção. Ou seja, enquanto fala comigo, você tem a mesma sensação que teria se falasse ao vivo e as mesmas áreas do seu cérebro são ativadas. O que legitima essa separação, portanto, é a evidência empírica de que a atividade cerebral de falar é essencial para aprender conceitos novos. Se o alunos produzir meios ilícitos de comunicação por cibermensagem e for descoberto enquanto faz isso, perderá sua matrícula na matéria instantaneamente. Se ele não for pego, apenas terá prejuízo em seu aprendizado.
-        Eis a minha segunda questão. Vocês não sabem que há evidências de que pessoas jovens podem aprender conceitos novos diretamente por neurocomunicação?
-        Sou familiar com esse trabalho, que aliás é o único com essas evidências. Enquanto as evidências estão bem documentadas, esse trabalho carece de uma teoria que explique como isso é possível e também de extensa replicação. Afinal, não é porque aqueles jovens aprendem assim que todos aprenderão e precisamos trabalhar democraticamente. É bom que você tenha perguntado isso, porque é parte do nosso conteúdo e posso dar uma introdução nesses conceitos. Durante todo esse curso, vocês vão aprender a trabalhar com realidades virtuais bem específicas e vão se comunicar por neuromensagens. Mas o que são essas coisas? Como foram inventadas? Se ninguém mais tiver perguntas eu posso iniciar a aula – respondeu a professora calmamente
-        Eu, Aqui. Meu nome é Luiza. , muito prazer. Eu tenho uma pergunta, é rápida – disse Luíza
-        O prazer é todo meu, Luiza. Prossiga – Disse Andrea
-        Nós vamos aprender a usar programas antigos ou a projetar edifícios com papel?
-        Bem, Luíza, talvez você não saiba, mas é extremamente trabalhoso produzir plantas de edifícios modernos por esses meios, já que eles não calculam as fontes e distribuição de energia e nem a biomassa do projeto, mas temos uma matéria onde esses métodos podem ser utilizados no próximo bimestre. Ela é uma matéria optativa, então se você tem interesse nisso, faça sua pré-matrícula. O nome da matéria é “arquitetura de edifícios virtuais”. Claro que pra projetar um edifício fora de realidade virtuais você irá precisar de instrumentos caríssimos a não ser que tenha sua própria nano-impressora. Mais alguma dúvida?

A turma ficou em silêncio e dois alunos ficaram ausentes.

-        Gostaria de lembrar que ausências serão documentadas e estar apenas conectado à sala de aula não servirá como fonte de créditos.

Os dois alunos voltaram alguns segundos depois dessa mensagem.

-        Que bom tê-los de volta. Tive que dar esse aviso devido à comum ausência nessa parte do curso, que ainda assim é importantíssima. Agora, essa não é uma aula de programação de nem de computação, então não haverá detalhes técnicos excessivos ou irrelevantes para o trabalho do arquiteto. Mas saber o mínimo sobre nossa principal ferramenta de trabalho é essencial para estarmos situados. Pra saber o que estamos fazendo, como estamos fazendo e pra que. Trabalhos feitos intuitivamente e sem planejamento dificilmente são aceitos, já que clientes gostam de fazer pedidos vagos e acompanhar nosso trabalho. Assim, é importante ter domínio completo sobre o que se está fazendo, porque dificilmente o objetivo inicial é concluído e sem essa segurança o profissional pode ficar literalmente perdido em seu próprio projeto. Improviso não é tolerado e isso pode custar seus empregos, então aprendam bem os quês e porquês de tudo o que estão fazendo. - prosseguiu a professora
-        Mas isso não tornaria o trabalho pouco criativo e muito mecânico? - perguntou Luíza
-        De maneira alguma. Eu diria que saber como projetar é tão importante quanto ter inspiração e fazer um bom projeto. De que adianta, afinal, ter uma grande ideia e depois não saber construí-la? O que você vai aprender nesse curso é precisamente isso. Vai aprender a projetar exatamente aquilo que pensou, e não algo parecido.
-        Mas não é só você pensar que aparece? - perguntou Luíza
-        Infelizmente não. Tem muitos aspectos e precisam ser pensados separadamente e inclusive testados. Mas isso você vai perceber com mais clareza no decorrer do curso. Mais alguém tem dúvidas?

A turma permaneceu em silêncio, embora os alunos tenham trocado algumas cibermensagens entre si. Andrea seguiu adiante, já que o tempo era curto, e abriu um novo projeto de casa.

-        Testei e comprovei que esse conteúdo é melhor absorvido quando associado à aplicações, então levantem-se e me acompanhem.
-        Apenas um cubo vazio? - indagou Fernando.
-        Se você preferir, podemos aumentar esse cubo  colocar paisagem, mas pro conteúdo que vou demonstrar esse espaço é suficiente. E é eficiente, já que exige pouco poder de processamento e permite a usuários de computadores públicos uma aula fluida. Peço que evitem a troca de cibermensagens durante a aula, já que isso causa considerável prejuízo de atenção. E já que eu detesto falar sozinha! Mentira, até que gosto, mas quando estou realmente sozinha.

A turma deu uma leve risada, como se tivessem rindo apenas pra ela não se sentir mal. Andrea colocou um projeto de casa básica no meio do cubo.

-        por favor, me acompanhem e respondam breves perguntas em formato escrito
-        Mas porque em formato escrito – indagou Luíza
-        Porque senão só você e o Fernando responderão e isso já está bem claro, não é?

Luiza ficou sem ação diante da resposta, já que parecia rude, mas a professora estava com um sorriso de aprovação no rosto. Os alunos trocaram cibermensagens ofensivas sobre ela, e Luiza recebeu algumas. Nem se deram ao trabalho de olhar no rosto da professora como já era de costume. Como Luiza gostava de viver segundo os costumes antigos, ela não respondeu a nenhuma mensagem. Apenas se limitou a expressar seu descontentamento com uma cara feia, que apenas Fernando percebeu. Apesar disso, como ele não recebeu nenhuma mensagem, não entendeu do que se tratava.

-        pois bem, o que é isso sobre o que estamos andando? - perguntou Andrea

As respostas chegaram, equivalências foram processadas e ela obteve os dados da turma.
-        bem, 60% respondeu “chão virtual”, 25% respondeu “versão antiga de plano virtual sem textura”, 10% respondeu “grade branca com fundo preto”, 2% respondeu “não estamos andando” e os últimos 3% tiveram respostas que não se encaixaram na maioria e não poderão ser todas mencionadas. Todas as respostas têm um fundo de verdade, embora algumas estejam mais próximas do meu ponto do que outras. Sim, isso é chão virtual. E sim é um chão de grade branca com fundo preto e sim, ele é um plano sem textura antigo, então parece pouco natural. Mas é esse o objetivo de usar essa textura. Lembrar-nos de que, muito embora tenhamos aqui a sensação de realidade e inúmeras facilidades, isso é apenas uma simulação. Ou seja, você pode projetar uma linda casa aqui, mas la fora ela não ser possível devido à escassez de material, problemas no terreno ou outra coisa. Por isso é importante que usemos o simulador de adversidades, que é um aplicativo detestado por todos os calouros, mas que é importante pra termos a noção de que nosso projeto será feito fora do mundo real. E que pessoas realmente andarão nele. Como alguns disseram “não estamos andando”. Não estou subindo a escada de uma casa básica. Estou acessando um projeto em realidade virtual. Falei demais ou isso ficou claro? Alguma dúvida?
-        Eu tenho, professora. Mas acho que pode ser meio demorada. - disse Fernando
-        Adoro coisas demoradas. Pode falar, Fernando.
-        Eu fiquei me perguntando se realmente faz sentido um arquiteto se formar numa universidade virtual. Quero dizer, será que esse aplicativo e esse conhecimento nos servirá quando estivermos fora do ambiente virtual? E se isso só servir pra construir ambientes virtuais? E se o ambiente virtual falhar, por exemplo, com uma tempestade solar?
-        Bem, você poderá se valer, nessas situações, do conhecimento das suas aulas de manuseio de instrumentos antigos. Isso também te permitirá trabalhar dentro de realidades virtuais, o que tem permitido muita gente ter emprego, mas onde o “roleplay” proíbe o uso de tecnologias atuais. Mas me tire uma dúvida: que tempestades solares são essas? - respondeu a professora
-        Não é nada Só uma coisa que li num trabalho de ficção antigo. É que eu gosto de imaginar como viveríamos sem realidades virtuais. Será que ainda sobreviveríamos? Será que a sociedade ainda pode funcionar sem isso? Quero dizer, ainda teremos tempo e espaço pra fazer tudo o que queremos apenas com o “mundo real”?
-        Interessante você fazer essas aspas com as mãos. Faz tempo que não vejo alunos que gesticulam. Infelizmente não poderemos discutir esse tema a fundo nessa disciplina, mas você pode se inscrever na discplina “mudanças histórico-epistemológicas no tempo-espaço” e discutir isso. Recomendo a matéria, é interessante. Mais alguma questão?

A turma ficou em silêncio.

-        Bem, então quero que alguém me responda essa: porque essa casa não pode ser criada por neurolinguagem? Tem algum motivo pra isso?
-        Bem, você disse que são tecnologia diferentes. Pode haver um problema de compatibilidade por causa do formato de dados – respondeu Fernando.
-        Sim, exatamente. Muito bem, Fernando! Alguém sabe a diferença entre os formatos e porque um não pode ser convertido no outro?
-        Porque ideias de cibermensagem são mais vagas e ganham maior precisão quando são representadas por linguagem? - disse uma aluna que até então não havia se pronunciado
-        Desculpe, qual é seu nome?
-        au... Augusta. Meu nome é Augusta – respondeu a aluna
-        Pois bem, boa resposta Augusta. O processo de ciberomunicação envolve interpretação do conteúdo. É justamente por isso que não é possível aprender conteúdos novos por meio da comunicação.
-        Mas nós não interpretamos também o conteúdo falado?
-        Sim, mas nesse caso nós interpretamos palavras, que são nosso meio de comunicação nativo, e as transformamos em esquemas mentais. As cibermensagens são esquemas prontos e se você não os conhece eles são traduzidos de maneira imprecisa pelo seu cérebro. É como se você, o arquiteto, falasse de um projeto seu a um leigo usando termos técnicos. Alguma coisa ele vai entender, mas não exatamente o que você quer dizer, não é?
-        Mas isso também é verdade pra linguagem! - retrucou Fernando
-        Sim, mas o conteúdo da linguagem você pode rever e repensar. Não há como repensar uma cibermensagem porque ela já é pensada. Você deve saber que não há duvidas sobre o conteúdo das cibermensagens, não há como interpretá-la de duas maneiras. É uma forma de comunicação que, apesar de sua rapidez, acaba se limitando apenas ao obvio e ao já conhecido.
-        Mas então como poderiam pessoas aprender novos conteúdos, como sugeriu o estudo?
-        Bem, eles podem já ter familiaridade com o tema sem que essa familiaridade seja declarada ou mesmo consciente. O experimento pode ter sido forjado, os participantes podem ter sido subornados ou simplesmente pode ser que precisemos de um novo conjunto de conhecimentos pra explicar como o cérebro humano tem interagido com esses mecanismos de comunicação avançados. Mas com o que sabemos até agora, não é confiável usar esse tipo de comunicação no contexto de ensino. Isso já foi testado exaustivamente e o aprendizado tem eficácia 85% inferior ao que estamos usando agora. Mais alguma dúvida? Alguém?
-        Temos que comprar algum programa? - perguntou outro que falava pela primeira vez
-        Qual é seu nome, por favor? - perguntou Andrea
-        Porque você pergunta meu nome ao invés de acessar meu perfil e ver?
-        Questão de hábito. Qual é?
-        É... Aurisberto
-        Pois bem, Aurisberto, todos os alunos da Universidade virtual de La Paz usam um certificado da própria universidade pra acessar todos os programas e aplicativos necessários pro curso. Recomendamos apenas que você tenha um computador com mecanismo de imersão virtual moderno, mas se isso não for possível você pode usar nossas máquinas públicas. A princípio, portanto, o curso é totalmente gratuito.

Os alunos começaram a iniciar aplicativos externos e a requisitar conexão em outras realidades virtuais quando Andrea se deu conta de que o tempo já havia acabado. Tanto pra dizer em tão pouco tempo...

-        certo alunos, lembrem-se que nossas aulas acontecerão nesse mesmo horário de segunda a sexta. Não percam suas aulas e boa segunda-feira!

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